Páginas

domingo, 15 de abril de 2012

O que é etnocentrismo? (Parte I)

  • Pensando em partir

 Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência.
É um fenômeno onde se mistura tanto elementos intelectuais e racionais quantos elementos emocionais e afetivos. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensar a diferença. E no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc.
A colocação central sobre o etnocentrismo pode ser expressa como a procura de sabermos os mecanismos, as formas, os caminhos e razões, pelas quais tantas e tão profundas distorções se perpetuam nas emoções, pensamentos, imagens e representações que fazemos da vida daqueles que são diferentes de nós.
O etnocentrismo não é um problema exclusivo de uma sociedade ou época. Dentre os fatos humanos, este talvez seja o de maior unanimidade.
Quando o grupo do "eu" se depara com o grupo do "outro" há um choque cultural. O grupo do "diferente" passa a ser considerado pelo grupo do "eu" como selvagem, bárbaro, primitivo, isto é, a sociedade do "outro" é atrasada, desordenada e confusa. E o grupo do "eu" faz da sua visão a unica possível, a melhor, a natural, a superior, a certa, a perfeita, a civilizada; onde existe o saber, o trabalho, o progresso.
Há paralela a violência a atitude etnocêntrica que pressupõe que o "outro" deva ser alguma coisa que não desfrute da palavra para dizer algo de si mesmo. Na maioria das vezes, o etnocentrismo implica uma apreensão do "outro" que se reveste de uma forma bastante violenta, pois o coloca como "primitivo", "algo a ser destruído", um "atraso ao desenvolvimento". 
O etnocentrismo passa por um julgamento do valor da cultura do "outro" nos termos da cultura do "eu", como por exemplo, ambos privilegiam as funções estéticas, ornamentais, decorativas de objetos que na cultura do "outro" desempenham funções que seriam principalmente técnicas. 
Do ponto de vista do grupo do "eu", os que estão de fora podem ser "brabos" e traiçoeiros ou "mansos" e bondosos (Aliás, "brabos" e "mansos" são termos que são empregados, no Brasil, para designar o "humor" de animais e o "estado" de várias tribos de índios ou de escravos). 
Na nossa chamada "civilização ocidental" existem diversos mecanismos de reforço para o seu estilo de vida através de representações negativas do "outro". Aqueles que são diferentes do grupo do eu - os diversos "outros" deste mundo - por não poderem dizer algo de si mesmos, acabam representados pela ótica etnocêntrica e segundo as dinâmicas ideológicas de determinados momentos. 
Os livros didáticos, em função mesmo do seu destino e de sua natureza, carregam um valor de supostos donos da verdade. Sua informação obtém este valor de verdade pelo simples fato de que quem sabe seu conteúdo passa nas provas. Nesse sentido, seu saber tende a ser visto como algo "rigoroso", "sério" e "científico". Os estudantes são testados via de regra, em face do seu conteúdo, o que faz com que as informações neles contidas acabem se fixando no fundo da memória de todos nós. O índio é para o livro didático apenas uma forma vazia que empresta sentido ao mundo dos brancos. Em outras palavras, o índio é "alugado" na História do Brasil para aparecer por três vezes em três papéis diferentes. 
Primeiro papel do índio: Representado no capítulo de descobrimento, aparecendo como "selvagem", "primitivo", "pré-histórico", "antropófago", etc. Com a finalidade de mostrar o quanto os portugueses colonizadores eram "superiores" e "civilizados". 
Segundo papel: Representado no capítulo da catequese, aparecendo como "inocente", "criança", "infantil", "almas virgens", etc. Com a finalidade de parecer que os índios precisavam da "proteção" que a religião lhes obrigavam a aceitar. 
Terceiro papel: Representado no capítulo "Etnia brasileira", aparecendo com um novo papel - bastante engraçado se comparado aos anteriores - num passe de mágica se tornam "corajosos", "altivos", cheio de "amor à liberdade".
Mais exemplos de etnocentrismos são representados no nosso cotidiano. A "industria cultural" (TV, jornais, revistas, publicidade, cinema, rádio) está frequentemente fornecendo exemplos de etnocentrismo, pois é criado sistematicamente um enorme conjunto de "outros" que servem para reafirmar, por oposição, uma série de valores de um grupo dominante que se autopromove a modelo de humanidade. 
As idéias etnocêntricas que temos sobre as "mulheres", os "negros", os "empregados", os "doidões", os "gays", os "vagabundos", as "dondocas", os "caretas" e todos os demais "outros" com os quais temos familiaridade são uma espécie de "conhecimento" um "saber", baseado em formulações ideológicas, que no fundo transforma a diferença pura e simples num juízo de valor perigosamente etnocêntrico. 

Referências
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Coleção primeiros passos)

Nenhum comentário:

Postar um comentário